sábado, 25 de abril de 2009

O Conceito de Transição ou Receitas do Futuro? - Hector Benoit

Texto retirado do livro "Marxismo, capitalismo, socialismo" organizado por Andrea Galvão (grifo meu)


Resumo: Procuramos discutir o conceito de transição de Marx e mostrar como, para ele, este conceito é incompatível com uma teoria de transição detalhada do futuro. Nesse sentido, mostramos como há proximidade entre os socialistas utópicos, combatidos por Marx desde as páginas do Manifesto e aqueles que, posteriormente, diversas vezes, procuraram elaborar uma nova teoria de transição, pretensamente complementar àquela de Marx.

No posfácio da segunda edição de O capital, datado de janeiro de 1873, observa Marx a incompreensão a respeito do método dialético dessa obra, e comenta, ironicamente, a resenha escrita por Roberty, um discípulo de Augusto Comte. Escreve Marx: “a Revue Positiviste me acusa de que eu, por um lado, trato a Economia metafisicamente e, por outro – adivinhem!-, de que eu me limitaria à mera análise crítica do dado, em vez de prescrever receitas (comteanas?) para a cozinha do futuro (für die Garküche der Zukunft)” (2). Mais adiante, no mesmo posfácio, comentando outra resenha, aquela que havia sido publicada no Correio Europeu, de Petersburgo, Marx cita trecho no qual apareceria de forma precisa a descrição do seu verdadeiro método. Escrevera o autor: “Para Marx, só importa uma coisa: descobrir a lei dos fenômenos de cuja investigação ele se ocupa. E para ele é importante não só a lei que os rege, à medida que eles têm forma definida e estão numa relação que pode ser observada em determinado período de tempo. Para ele, o mais importante é a lei de sua modificação, de seu desenvolvimento, isto é, a transição de uma forma para outra (der Übergang aus einer Form in die andre)...”(3).
Esses dois trechos do posfácio de 1873 resumem bastante bem o que gostaríamos de discutir aqui: qual é o conceito dialético de transição, ou seja, qual o conceito propriamente marxista de transição? Em que o conceito marxista de transição se diferencia das receitas comteanas de futuro? Pensamos que expor claramente o conceito dialético-marxista de transição é tarefa das mais importantes. Pois, como veremos, na compreensão conceitual não-dialética que subsiste a respeito do conceito de transição, expressam-se posições teóricas e políticas (muitas vezes, ocultas).


OS SENTIDOS DE TRANSIÇÃO PARA MARX

Quando se menciona a noção de “transição” em teoria marxista, três sentidos fundamentais se confundem, às vezes sem maiores explicitações.
1)Um primeiro sentido é aquele de que “transição” significa o modo pelo qual se caminha do interior do modo de produção capitalista ao momento revolucionário da tomada do poder de Estado pelo proletariado.
2)O segundo sentido corrente é aquele de que “transição” designa o período que se desenvolve após a tomada do poder. Esta transição se desenvolveria por um longo período, em diversas fases, do socialismo ao comunismo.
3)Um terceiro sentido é aquele de que “transição” designa o período de passagem de qualquer modo de produção para outro. Ou seja, indistintamente, da comunidade primitiva ao modo de produção asiático, do asiático ao modo de produção escravista ou ao feudal, deste ao capitalismo, ou ainda, do capitalismo ao socialismo e comunismo.
Para os conhecedores da obra de Marx, pode-se dizer que esses três sentidos de transição, de alguma maneira, estão presentes nos seus textos, no entanto, em forma, em extensão e em importância desiguais. Existiria um sentido hegemônico ou fundamental? Qual seria ele?


O SENTIDO PRIMEIRO DE TRANSIÇÃO

Pensamos que o sentido fundamental, aquele determina e, assim, rege metodologicamente os outros sentidos, é o primeiro deles. Ou seja, como afirmara o autor de Petersburgo: “Para Marx, só importa uma coisa: descobrir a lei dos fenômenos de cuja investigação ele se ocupa”. Do que se ocupou Marx, quase a vida inteira? O que ele investigou? Ele investigou e ocupou-se do capitalismo e do capital. Assim, ele investigou a lei que rege os fenômenos do capital e do capitalismo. Porém, como dizia ainda o mesmo autor: para Marx “é importante não só a lei que rege os fenômenos estudados (...). Para ele, o mais importante é a lei de sua modificação, de seu desenvolvimento, isto é, a transição de uma forma para outra”. Assim, Marx estudou as leis que regem o presente capitalista, mas, sobretudo, a lei da modificação deste presente capitalista posto, a transição deste presente capitalista posto para algo de outro. Marx procurou encontrar, assim, o caminho negativo deste presente capitalista posto. Portanto, é este sentido de transição o predominante, aquele que prevalece sobre os outros dois sentidos, e os determina dialeticamente.


A DIALÉTICA ENTRE O PRIMEIRO E O TERCEIRO SENTIDO

Vejamos como ocorre esse processo de determinação. Para realizar a negação do presente capitalista posto é necessário, antes, no método dialético de Marx, desvelar os pressupostos (Voraussetzungen) do que está posto. Como ele já escrevia na Ideologia Alemã: “Os pressupostos de que partimos não são arbitrários, nem dogmas. São pressupostos efetivos (wirkliche Voraussetzungen) a respeito dos quais não se pode fazer abstração a não ser na imaginação”(4). Assim, Marx desenvolve, para estudar os pressupostos, uma teoria da história dos modos de produção anteriores. Um primeiro desenvolvimento nesse sentido aparece na Ideologia alemã, depois no Manifesto Comunista e, de forma mais rigorosa nos manuscritos de 1857/58. Particularmente, este desenvolvimento ocorre em trecho desses manuscritos, aquele conhecido como Formações econômicas pré-capitalistas. Neste escrito, Marx volta-se para as diversas formações que antecederam o capitalismo, mas, não para fazer uma teoria sociológica geral ou história do passado, não para produzir saberes positivos no sentido daqueles desenvolvidos pelas chamadas “ciências humanas”. Não se trata também de uma filosofia da história no sentido hegeliano, apesar de descrever um certo encadeamento histórico que ele chama de “história mundial” ou Weltgeschichte(5) . Mas, exatamente por que aqui não temos nem uma construção positiva das ciências humanas e nem uma filosofia da história? Por que não temos nem uma metafísica hegeliana e nem construções comteanas ou weberianas?
Porque, rompendo com a metafísica e positivismo dos saberes burgueses, seguindo uma dialética que “em sua essência é crítica e revolucionária”(6), ao investigar os modos de produção pré-capitalistas, os investiga ainda e sempre do ponto de vista da negação do presente capitalista posto procurando os seus pressupostos. Assim, a partir da reflexão dialética sobre os outros modos de produção, desvelará a especificidade do modo de produção capitalista e a gênese histórica de cada uma das suas principais contradições e categorias: mercadoria, valor de uso e valor, trabalho abstrato e trabalho concreto, trabalho social e trabalho individual, dinheiro, extração de trabalho excedente, separação dos produtores dos meios de produção e, claro, acima de tudo, a particular especificidade de cada forma efetiva da luta de classes no interior das próprias categorias estruturais de cada modo de produção.
Assim, uma leitura atenta das “Formações econômicas pré-capitalistas” mostra que Marx, nesse texto, em nenhum momento se afasta do próprio presente capitalista, ou seja, não se afasta do seu objeto central de investigação, aquele que rege a sua preocupação: o presente capitalista a ser negado(7). A ida ao passado, para Marx, é o trabalho negativo que revela os pressupostos do presente, realizando a compreensão e a determinação de uma primeira negação do presente, uma negação pelo passado. Esta negação é fundamental e já diferencia Marx da maior parte dos socialistas conservadores (tais como Proudhon) ou dos socialistas crítico-utópicos (tais como os herdeiros de Saint-Simon), que receitam saberes ético-políticos de transformação do presente, sem sequer entender a especificidade da estrutura econômica da sociedade capitalista do trabalho assalariado e, muito menos, os pressupostos da estrutura desta sociedade.
Nessa direção, pode-se recordar a compreensão do modo de produção escravista feita por Marx nas “Formações econômicas pré-capitalistas”. A sua análise permite compreender a diferença específica entre trabalho escravo e trabalho livre: em ambos há extração de tempo de trabalho excedente, porém, no escravismo (forma greco-romana), a classe dominante é proprietária privada do próprio trabalhador. Os trabalhadores, assim, estão entre os próprios meios de produção, sendo similares a instrumentos de trabalho. Já no processo de trabalho capitalista, o trabalhador é livre e proprietário da sua força de trabalho que é vendida como mercadoria(8). Como se vê, a diferença na apropriação das forças produtivas estabelece as diferenças radicais que existem entre as relações de produção escravistas e as capitalistas. Da mesma forma, Marx mostra como cada modo de produção se diferencia do outro e, particularmente, como todos eles se diferenciam em relação ao modo de produção capitalista a partir da forma pela qual ocorre a apropriação das forças produtivas. A transição de um modo para outro se dá, portanto, a partir da transformação na apropriação das forças produtivas. Por exemplo: a passagem da forma asiática para a greco-romana só é possível graças ao surgimento da apropriação privada das forças produtivas(9). Na primeira, a asiática, o único proprietário é a unidade superior estatal que se ergue sobre a comunidade, em geral, investida por ideologias religiosas. Da mesma maneira, a passagem do feudalismo ao capitalismo se dá pela transformação na forma de apropriação das forças produtivas: liberação dos servos em relação aos senhores e separação dos produtores diretos em relação aos meios de produção. Se a transição de um modo de produção para outro, segundo Marx, ocorre sempre pela transformação na apropriação das forças produtivas que gera novas relações de produção, esta apropriação, inicialmente, não deve e não pode ser pensada como “jurídica”, ou seja, não ocorre ao nível da superestrutura, mas sim, ao nível da própria estrutura, ainda que, claro, posteriormente, esta apropriação tende a receber uma forma jurídica superestrutural. Não compreender esta diferença temporal entre a apropriação (primeira) na instância da estrutura e a forma jurídica posterior desta apropriação, na instância da superestrutura, é não compreender absolutamente nada da teoria da transição de Marx.
Esta diferença temporal se explica, do ponto de vista de Marx, porque, para ele, um novo modo de produção não surge imediatamente, ou em uma ou duas décadas. Não é assim o resultado de decretos, conspirações, ou atos meramente políticos. Mas sim, ao contrário, um novo modo de produção nasce das contradições profundas arraigadas em centenas de anos do modo de produção anterior. Assim, os pressupostos de um modo de produção estão no seu passado, estão nos modos de produção anteriores. Por isso, para compreender bem o presente capitalista posto, Marx precisa investigar os pressupostos do capitalismo. E compreendendo bem o presente capitalista posto, Marx investiga, ao mesmo tempo, os pressupostos do novo modo de produção possível, o comunismo. Apesar de que muitos não compreendem nem isto, Marx cansou de insistir e insistir, desde a Ideologia alemã, passando pelo Manifesto, pelos Manuscritos de 57/58, até O capital, Marx cansou de expor e expor, e de forma cada vez mais determinada, que estudava os pressupostos do capitalismo para compreender o próprio capitalismo, e que procurava compreender essencialmente o capitalismo porque este estava gerando, dentro de si próprio, isto é, de forma imanente, as novas forças produtivas e as novas relações de produção, ou seja, os pressupostos do modo comunista de produção.


OS SOCIALISTAS DO FUTURO

Mas, apesar dos esforços constantes de Marx e Engels, isto era difícil de explicar no século XIX. Os lassalianos, os bakuninistas, os proudhonianos e os blanquistas, não compreendiam a dialética dos seus textos de “economia” e pensavam a revolução de forma somente política. Nesse sentido, comentando o livro de Bakunin intitulado O estado e a anarquia, exclama Marx: “Que estupidez escolar! Uma revolução social radical se encontra submetida a determinadas condições históricas de desenvolvimento econômico; estas condições são o seu pressuposto”.(10) E mais adiante acrescenta: “Decididamente, ele não compreende nada da revolução social; só conhece sua fraseologia política; para ele, não existem as condições econômicas desta revolução”(11.) Explica Marx, logo a seguir, que Bakunin acredita ser possível a revolução socialista em qualquer situação de exploração, Marx, “Anotações ao livro de Bakunin O estado e a anarquia”, (texto de 1874/75), p. 435, II, in Marx e as diversas formas de exploração. E conclui o seu comentário dizendo que, para Bakunin, “a base de sua revolução é a vontade e não as condições econômicas”(12). No mesmo sentido, escrevia Engels a respeito de Blanqui: “é essencialmente um revolucionário político; é socialista somente por sentimento, por indignar-se com os sofrimentos do povo, mas não possui teoria socialista, nem propostas práticas definidas para a reorganização da sociedade”(13). Quanto aos seguidores e herdeiros de Blanqui, comenta Engels que estes conservam os mesmos defeitos do seu inspirador: não compreendem os pressupostos objetivos das transformações revolucionárias, elaboram grandes e detalhados planos e “se guiam pelo mesmo princípio de que as revoluções não se fazem por si mesmas”(14). Mas, o pior de tudo era perceber incompreensão similar no próprio partido operário alemão, ainda em 1875, ou seja, oito anos após a publicação do livro primeiro de O capital, como atesta o chamado “Programa de Gotha”. Como observa Engels, Marx e ele estavam mais estreitamente ligados ao movimento operário alemão e viram com grande preocupação “o decisivo retrocesso que se manifestava neste projeto de programa”(15). Marx fez a crítica detalhada desse retrocesso que consistia, fundamentalmente, em projetar detalhadamente o futuro socialista com uma série de receitas éticas, jurídicas, superestruturais, esquecendo a rigorosa investigação marxista dos pressupostos estruturais do capitalismo(16) .


UM UTOPISTA CONTEMPORÂNEO

Exemplo recente dessa incompreensão aparece no livro de Luciano Martorano, companheiro nosso da revista Crítica Marxista(17). Vejamos, particularmente, uma passagem do seu livro. Martorano cita, primeiramente, as seguintes afirmações de Stalin: “as novas forças produtivas e as relações de produção que lhe correspondem não aparecem fora do antigo regime e depois do seu desaparecimento; aparecem no próprio seio do velho regime”(18). Ora, neste caso, somos obrigados a dizer que Stalin tem toda a razão! E pensamos que qualquer marxista que tenha lido O capital, concordaria com ele. Mas, para a nossa grande surpresa, após essa citação de Stalin, Martorano o critica severamente escrevendo: “o que equivale a dizer que as relações socialistas de produção poderiam surgir no interior do modo de produção capitalista”. E acrescenta Martorano: “Hipótese desprovida de qualquer sentido”.(19) Incrédulo com o que li, confesso que reli a passagem várias vezes. Será que é possível afirmar isso – “hipótese desprovida de qualquer sentido”- do que disse corretamente Stalin? As relações de produção socialistas, segundo Martorano, não começam a surgir no interior do próprio capitalismo? Infelizmente, é isso mesmo o que diz e o que quer dizer o nosso autor! Martorano, nessa passagem, discorda de Stalin, assim como de Marx, de Engels, e dos principais lideres bolcheviques. Como fica claro, aliás, no parágrafo seguinte da mesma página. Assim escreve ele: “a concepção teórica dos principais líderes soviéticos, incluindo o próprio Lênin, foi profundamente influenciada pela problemática das forças produtivas”. E acrescenta que essa concepção “foi decisiva no privilegiamento (sic) da economia em prejuízo da política (...)”.(20)
Pensamos que essa incompreensão de Martorano (assim como aquela de seus inspiradores mais recentes ) nasce em grande parte de uma questão: não pensam o conceito de transição de Marx dialeticamente. Os modos de produção aparecem como estruturas estanques e separadas. O máximo de movimento que conseguem dar a essas estruturas é aquele presente em uma concepção não contraditória de movimento, concepção esta emprestada a uma sociologia dinâmica, herdada do positivismo comteano e tão presente em todo marxismo vulgar. Neste marxismo sociológico sempre se pensa por etapas ou estados estanques. Como compreender, assim, as regiões negativas que se abrem no interior de cada modo de produção e que são, segundo Marx, os pressupostos de outro modo de produção? Como, sem dialética, seguir o caminho da negação interna e contraditória apontado por Marx?


O CAMINHO DA NEGAÇÃO PERCORRIDO POR MARX

Para explicitarmos essa questão, cabe recordar, particularmente, o item 7 do capítulo XXIV do livro I de O capital, onde Marx expõe de maneira sintética a tendência histórica da acumulação capitalista. Primeiramente, ocorreu a expropriação dos proprietários das condições de trabalho, o camponês e o artesão. E comenta Marx que esse “modo de produção pressupõe o parcelamento do solo e dos demais meios de produção”(21). Trata-se, continua Marx, de uma forma “só compatível com estreitas barreiras naturalmente desenvolvidas da produção e da sociedade”. Aponta Marx, logo a seguir, o destino limitado da forma camponês-artesanal de apropriação e pretender eternizá-la “ significaria, como diz Pecqueur, com razão, ‘decretar a mediocridade geral’. Em certo nível de desenvolvimento, produz os meios materiais de sua própria destruição”(22). Ocorre assim a expropriação da massa do povo (Expropriation der Volksmasse) e este longo e difícil processo constitui “a pré-história do capital” (Vorgeschichte des Kapital)(23). Mas, tão logo esse processo, continua Marx, tenha decomposto a antiga sociedade, “a socialização ulterior do trabalho e a transformação ulterior da terra e de outros meios de produção em meios de produção socialmente explorados, portanto coletivos, a conseqüente expropriação ulterior dos proprietários privados ganha nova forma”(24). Aquele que começa agora a ser expropriado não é mais o produtor direto, mas sim, o capitalista que explora trabalhadores. Esta expropriação começa internamente à própria classe capitalista e produzindo ainda no interior do próprio capitalismo as forças produtivas e as relações de produção de um novo modo de produção(25).
Tanto é assim que, num certo momento desse desenvolvimento, segundo Marx, essas novas forças produtivas e novas relações de produção (sociais e coletivas) são travadas pelas relações capitalistas (privadas) de produção que ainda subsistem, ou seja, aquelas (novas forças e relações) não podem permanecer se desenvolvendo no interior da forma de apropriação capitalista. Como afirma Marx em O capital: “O monopólio do capital torna-se um entrave para o modo de produção que floresceu com ele e sob ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho atingem um ponto em que se tornam incompatíveis com o seu invólucro (Hülle) capitalista”(26). Observe-se que o “invólucro capitalista” (kapitalistischen Hülle) que ainda envolve, nessa fase, as forças produtivas e relações de produção, seria como que uma casca capitalista superficial que oculta um conteúdo socialista já desenvolvido. Mas então, o que ocorre com tal invólucro capitalista? Responde Marx: “Ele é arrebentado. Soa a hora final da propriedade privada capitalista. Os expropriadores são expropriados”(27). Reafirmando esse caráter imanente da transição, após descrever a primeira negação diz um pouco adiante Marx: “O sistema de apropriação capitalista surgido do modo de produção capitalista, ou seja, a propriedade privada capitalista, é a primeira negação da propriedade privada individual, baseada no trabalho próprio”(28). Vem, a seguir, de forma também imanente e dialeticamente contraditória, a segunda negação, a negação da negação: “Mas a produção capitalista produz, com a inexorabilidade de um processo natural, sua própria negação. É a negação da negação”(29). Esta não restabelece, explica ele, a propriedade privada, mas sim, a “propriedade individual” (das individuelle Eigentum), ou seja, restabelece aquela forma de propriedade que foi negada pelo capitalismo, mas sobre uma base social, isto é, “sobre o fundamento do conquistado na era capitalista: a cooperação e a propriedade comum da terra e dos meios de produção produzidos pelo próprio trabalho”(30).


O SEGUNDO SENTIDO DE TRANSIÇÃO E A DITADURA DO PROLETARIADO

Assim, a partir da negação do presente, do presente posto pelo pressuposto, Marx determina de maneira mais precisa as categorias do presente e desvela as suas contradições, descobrindo as tendências de outra negação, a negação da negação, aquela que coincide com a expropriação dos expropriadores, a ditadura do proletariado. Desta maneira, pode-se dizer que o primeiro sentido de transição, a transição à ditadura do proletariado, recebe todas as suas determinações do terceiro sentido de transição, aquele que investiga a transição nos diversos modos de produção. Marx não falaria, assim, do segundo sentido de transição (aquele que descreve a transição entre a tomada do poder pelo proletariado e o socialismo ou comunismo)? Marx não falou do futuro distante? Quando falou, em geral, falou muito pouco e de forma apenas aludida. Pois, de fato, como afirma corretamente Mészáros: “A questão de como passar do mundo negado do capital ao reino da meramente ‘aludida’ (expressão de Marx) nova forma histórica não poderia ocupar nenhuma parte no projeto teórico de Marx”31. E acrescenta ele que, de fato, Marx menosprezava aqueles que se dedicavam “a especulações sobre o futuro”(32).
Como se vê, Marx não se preocupou com o futuro distante ou transição para muito além da ditadura do proletariado e até ironizou aqueles que, como Comte, o fazem. Mas, por que? Seria uma lacuna (mais uma?) a ser preenchida na obra de Marx? Não acreditamos. Para ele, compreender bem o presente e os seus pressupostos seria o suficiente! Isto seria o suficiente para realizar as tendências negativas contidas no presente, para realizar a negação possível deste presente. Seria pouco? Pensamos que somente parece pouco para aqueles que jamais compreenderam o que significa a plena dimensão desta transição determinada e pensada por Marx, aquela que conduz à ditadura do proletariado. A ditadura do proletariado em um país, para ele, não é ponto de chegada algum, mas sim, apenas um dos elos da longa trajetória da revolução permanente mundial que superará o mercado mundial capitalista e que realizará a ditadura do proletariado nos países dominantes do mundo. Como escreviam Marx e Engels em 1850, na Mensagem à Liga dos Comunistas: “Enquanto os pequeno-burgueses democratas querem concluir a revolução o mais rapidamente possível, depois de terem obtido, no máximo, as reivindicações mencionadas, os nossos interesses e as nossas tarefas consistem em tornar a revolução permanente (die Revolution permanent) até que seja eliminada a dominação de todas as classes mais ou menos possuidoras, até que o proletariado conquiste o poder de Estado, (...) não só num país, mas em todos os países predominantes do mundo (...)” (33). Somente assim, segundo Marx, a revolução socialista em um país não seria reabsorvida pelo mercado capitalista mundial. Esta teoria, de forma cada vez mais determinada – mais embasada no estudo do capitalismo e dos pressupostos de suas categorias- , foi repetida por Marx e Engels na Ideologia Alemã(34), nos Princípios do comunismo35, no Manifesto, na Mensagem à Liga dos Comunistas de 1850, acima citada, nos Grundrisse, nos diversos panfletos da I Internacional(36) e, claro, na obra máxima, O capital(37) . Conjuntamente à teoria internacionalista, como se sabe, Marx e Engels se dedicaram intensamente à militância internacionalista na Liga Comunista e na I Internacional. No entanto, sempre tiveram que enfrentar, durante toda a vida, aqueles que, sem pensar de forma determinada o presente capitalista, sem examinar as contradições do presente, sem examinar a negatividade possível do presente, preferiam falar do futuro.


OS COZINHEIROS DO FUTURO E OS BOLCHEVIQUES

Nesse sentido, cabe lembrar o que diziam Marx e Engels, já no Manifesto, a respeito do “socialismo e comunismo crítico-utópico”: “À atividade social substituem sua própria imaginação pessoal; às condições históricas de emancipação, condições fantasistas; à organização gradual e espontânea do proletariado em classe, uma organização da sociedade pré-fabricada por eles”(38). Mas, claro, os crítico-utópicos falam, sobretudo, do futuro: “A história futura do mundo se resume, para eles, na propaganda e na prática de seus planos de organização social”(39). Para melhorar o gosto da sua cozinha do futuro, e como não estabelecem as condições reais de emancipação do proletariado, como bons discípulos de Saint-Simon e Augusto Comte, eles “põem-se à procura de uma ciência social ( einer sozialen Wissenschaft)”(40). O combate de Marx e Engels contra esses elementos e seus similares, como se sabe não terminou em 1848. Ao contrário, durante toda a sua vida, mesmo depois da publicação do livro primeiro de O capital, tiveram que explicar a esses “políticos” do futuro que os seus programas e planos são apenas retrocessos: os pressupostos da nova sociedade – como demonstra O capital - estão nas próprias forças produtivas e relações de produção do presente.
Evidentemente, no século XX e neste século XXI continuaram surgindo os que retrocedem a formas pré-marxistas, os que procuram compreender os problemas “não vividos” por Marx e Engels, e completar as “lacunas”do seu conceito de transição. A experiência da Revolução Russa, porém, inicialmente, não mostrava essa direção equivocada. Ao contrário, Lênin, Trotsky, Preobrazhensky e a maioria dos bolcheviques, não consideravam a transição diferentemente de Marx e Engels. Os bolcheviques seguiam, em linhas gerais, o que fora apontado em toda a obra de Marx e Engels, em O capital, e sintetizado, de forma brilhante e profética, no prefácio da edição russa do Manifesto Comunista em 1882. Nesse prefácio Marx e Engels perguntam se poderia a Rússia passar da comunidade rural existente, forma degenerada da primitiva propriedade comum, à forma superior comunista, sem passar por um desenvolvimento capitalista e respondiam de forma
inequívoca, seguindo o que sempre disseram: “se a revolução russa dá o sinal para uma revolução proletária no Ocidente, de modo que ambas se completem, a atual propriedade comum da terra na Rússia poderá servir de ponto de partida para um desenvolvimento comunista”(41). Ou seja, para Marx e Engels, para Lênin(42) e para a maioria dos bolcheviques, a revolução russa socialista era possível, mas, precisava dos pressupostos capitalistas (forças produtivas desenvolvidas e relações de produção correspondentes) e era absolutamente inseparável da revolução européia (43).
Após a morte de Lênin, no entanto, contrariando toda a teoria marxista, desenvolveu-se a teoria do socialismo em um só país, e o que é pior, num país atrasado. O grande teórico desse retrocesso foi Bukharin que desenvolveu uma teoria de transição lenta em várias etapas(44).
Na polêmica desenvolvida em 1926 entre Bukharin e Preobrazhensky(45), é significativo que este último questiona Bukharin justamente a respeito do método de análise pouco marxista. Segundo Preobrazhensky, Bukharin não analisa a economia soviética a partir da base ou estrutura, como fizera sempre Marx, ao invés disso, Bukharin substituiria o método marxista por aquele da sociologia burguesa alemã (Stammler e sua escola), partindo de uma análise superestrutural. Nessa direção, observa Preobrazhensky: “no primeiro esboço de Marx para escrever O capital, havia uma seção sobre o Estado, mas
esse objeto seria tratado só mais adiante, após o estudo da economia capitalista no sentido estrito da palavra”(46) . E pergunta ele a Bukharin: “Por que não é possível começar com a base na análise teórica da economia Soviética?”(47)
Na verdade, Bukharin, em sentido contrário àquele da teoria marxista, e expressando os interesses de uma burocracia que já começava a desenvolver interesses próprios, iniciava a elaboração de uma teoria de transição na qual o mercado passava a ter um papel fundamental. Nesse sentido, escrevia ele: “Através da luta no mercado, através das relações de mercado, e através da competição, as empresas do estado e as cooperativas deslocarão seu competidor, isto é, o capital privado. No final do processo, o desenvolvimento de relações de mercado trará a sua própria destruição”(48). Detalhando o seu plano de transição pelo mercado, afirma ainda Bukharin que as indústrias estatais e as cooperativas, gradualmente, prevalecerão sobre as outras formas da economia e as eliminarão totalmente, até que, por último, “mais cedo ou mais tarde, o próprio mercado desaparecerá, sendo substituído pelas cooperativas-estatais que distribuirão tudo o que for produzido”(49). Sabemos hoje bem onde terminou essa teoria de transição pelo mercado – retomada no período da perestroika. Quem liquidou com quem? O socialismo ao mercado ou o mercado ao socialismo? E a experiência chinesa – inspirada na “originalidade política”de Mao (também admirada por Martorano, Betelheim, Balibar e outros)– terminou diferente?(50)
Em sentido contrário, embasados na teoria clássica de Marx e Engels, levando em conta os pressupostos do conceito de capital, Trotsky e Preobrazensky sustentaram a posição de que planificação e mercado são incompatíveis. Na mesma direção de Marx e Engels, seguindo as tarefas do presente, procurando a transição do presente posto ao futuro próximo da ditadura do proletariado, como e enquanto transição inseparável da revolução permanente, desde o começo da década de 20, desenvolveu Trotsky a Oposição de Esquerda no interior da URSS e depois internacionalmente. Da mesma maneira, após a falência da III Internacional, fundando uma nova internacional, Trotsky elaborou o chamado “Programa de Transição”, um programa que absorvendo as experiências revolucionárias da primeira metade do século XX, continuou diretamente estruturado na própria teoria de O capital, superando as diferenças entre um programa mínimo reformista e um programa máximo para os dias de festa(51) . Nesse sentido, pensamos que a procura de um novo programa ou de uma nova teoria de transição para o século XXI é a proposta daqueles que, ainda e mais uma vez, preferem receitas da cozinha do futuro ao invés do conceito de transição elaborado por Marx.



(2) O capital, livro I, p. 18, ed. Abril Cultural; MEW, 23, p. 25.
(3) P. 19, Abril; p. 25-26 MEW.
(4) MEW, 3, p. 20. Em O capital, constantemente, Marx se refere aos “pressupostos históricos” (die historischen Voraussetzungen) do capital (cf. por exemplo, Livro I, p. 161, MEW, 23)
(5)
Ainda em O capital, Marx se refere a uma Weltgeschichte que seria pressuposto das diversas categorias do capital.
(6) Palavras do próprio Marx em O capital: “...ihrem Wesen nach kritisch und revolutionär ist.”(p.28, MEW, 23).
(7) Sabemos que em O capital, esses estudos reaparecem em diversas passagens e, freqüentemente, são desenvolvidos em extensas notas. Por exemplo, no capítulo XIII, “Divisão do trabalho e manufatura”, mostra a especificidade da divisão de trabalho capitalista comparando-a com aquela ocorrida na Antigüidade clássica. Neste caso, o predomínio do valor de uso conduz a uma maior preocupação com a qualidade do produto e não, necessariamente, com a quantidade da produção (cf. pp. 286-287 da ed. Abril; pp.386-387, MEW).
(8) Marx analisa a forma greco-romana ,particularmente, nas páginas 381-383 dos manuscritos de 57/58 (MEGA); páginas 68-71 da tradução brasileira, ed. Paz e Terra, 1975, sob o título “Formações econômicas pré-capitalistas”. Em várias notas de O capital, Marx retoma essas análises.
(9) Exemplo dessa transição é a passagem da civilização creto-micênica (toda organizada em torno do palácio real e ordenada por uma larga burocracia) àquela da polis grega.
(10) Engels, Obras Escogidas em três tomos, Moscou, 1979, Editorial Progresso.
(11) Idem, ibidem.
(12) Idem, ibidem.
(13)
Engels, “O programa dos emigrantes blanquistas da Comuna”, (1874), in p. 402, II, Obras Escogidas, ed.citada.
(14) Idem, ibidem.
(15) Obras Escogidas, ed. citada, III, p. 6.
(16) Por exemplo, escreve Marx: “O direito não pod ser nunca superior à estrutura econômica (...)”(op. cit., ed.cit., p. 14). Ou então: “Se as condições materiais de produção fossem propriedade coletiva dos próprios operários, isto determinaria, por si só, uma distribuição dos meios de consumo diferente da forma atual. O socialismo vulgar ( e por seu intermédio, uma parte da democracia) aprenderam dos economistas burgueses a considerar e tratar a distribuição como algo independente do modo de produção, e, portanto, a expor o socialismo como uma doutrina que gira principalmente em torno da distribuição”. E acrescenta Marx irritado com o retrocesso idealista: “Uma vez que já foi elucidada, há muito tempo, a verdadeira relação das coisas, por que voltar para trás?” (p.16).
(17) A burocracia e os desafios da transição socialista, SP, Xamã, 2002.
(18) Stalin, Materialismo Dialético e Materialismo Histórico, 2a ed. SP, Global, p.49.
(19) Martorano, op..cit., p. 31. Os grifos são nossos.
(20) Idem, ibidem. Mas, onde Martorano encontra inspiração para tal ousadia anti-stalinista, anti-bolchevique e antimarxista? Como já ficava claro em passagens anteriores, na “genialidade” de Bukharin! Como escreve Martorano: “Entre Bukharin e o Marx do ‘Prefácio’ existe, porém, uma diferença fundamental e decisiva. Para o primeiro (Bukharin), que se afasta aqui do economicismo, há uma premissa para a mudança das relações de produção na transição socialista: a revolução política-(...)”(op. cit., p.25). Voltaremos, mais adiante, à transição “política” de Bukharin. Outra inspiração política de Martorano para corrigir Marx e os bolcheviques é Mao Tsetung. Assim escreve ele: “Já Mao Tsetung oferece a possibilidade de uma nova leitura sobre o objeto da transição aqui examinado. Leitura centrada principalmente na defesa da necessidade de transformação das relações de produção (...); no papel da superestrutura, especialmente da política, na modificação da base econômica;”(citação tirada da mesma p. 31, ou seja, aqui Martorano está contrapondo Mao ao “economicismo de Marx” e àquele dos “ principais líderes bolcheviques”).
(21) Ed. Abril, p. 293; p.789, 23, MEW.
(22) Idem, ibidem.
(23) MEW, 23, p. 790.
(24) Idem, ibidem; ed. Abril, p. 293.
(25) Cabe aqui citar na íntegra o parágrafo seguinte, já que muitos parecem haver esquecido esta e muitas outras passagens de O capital: “Essa expropriação se faz por meio das leis imanentes da própria produção capitalista, por meio da centralização dos capitais. Cada capitalista mata muitos outros. Paralelamente a essa centralização ou à expropriação de muitos outros capitalistas por poucos se desenvolve a forma cooperativa do processo de trabalho em escala sempre crescente, a aplicação técnica consciente da ciência, a exploração planejada da terra, a transformação dos meios de trabalho em meios de trabalho utilizáveis apenas coletivamente, a economia de todos os meios de produção mediante o uso como meios de produção de um trabalho social combinado, o entrelaçamento de todos os povos na rede do mercado mundial e, com isso, o caráter internacional do regime capitalista. Com a diminuição constante do número dos magnatas do capital, os quais usurpam e monopolizam todas as vantagens desse processo de transformação, aumenta a extensão da miséria, da opressão, da servidão, da degeneração, da exploração, mas também, a revolta da classe trabalhadora, sempre numerosa, educada, unida e organizada pelo próprio mecanismo do processo de produção capitalista.”. (ed. Abril, pp.293-294).
(26) Ed. Abril, p. 294.; MEW, p.791.
(27) idem, ibidem.
(28) idem, ibidem.
(29) Idem, ibidem.
(30) Idem, ibidem. E terminando este capítulo XXIV, Marx, de forma significativa, cita em nota o Manifesto do Partido Comunista, e justamente aquele trecho deste texto em que já se afirmava esse processo imanente contraditório, mas a partir das classes sociais e de sua luta: a burguesia com o desenvolvimento da indústria “produz, antes de mais nada, seus próprios coveiros”, ou seja, o proletariado. Como se vê, para Marx, a luta de classes está no interior da própria estrutura nas contradições contidas nas diversas categorias da economia: mercadoria, valor de uso e valor, trabalho abstrato/concreto, trabalho individual/social, a luta se dá na própria extensão ou redução da extração de trabalho excedente, assim como, evidentemente, na apropriação/expropriação de uma forma ou de outra das forças produtivas (Cf. meu artigo "Sobre a crítica(dialética) de O Capital," in revista Crítica Marxista, editora Brasiliense, no3, 1996, 14-44.
(31) Para além do capital, p. 1068, SP, 2002, Boitempo Editorial.
(32) Idem, ibidem.
(33) MEW, 7, p. 247-248.
(34) Escrevem Marx e Engels já na Ideologia alemã: “o comunismo, sua ação, só pode ter uma existência histórico-mundial (weltgeschichtliche Existenz)” (p. 36, MEW, 3).
(35) O jovem Engels perguntava: “É possível esta revolução em um só país?” E respondia: “Não. A grande indústria, ao criar o mercado mundial, uniu já tão estreitamente todos os povos do globo terrestre (...) que um depende do que acontece no outro país (...). Por conseguinte, a revolução comunista não será uma revolução puramente nacional (...)”. (Obras Escogidas, ed. cit., I, p.93)
(36) Nos “Estatutos gerais da Associação Internacional dos Trabalhadores” (1871) pode-se ler: “a emancipação do trabalho não é um problema nacional ou local, mas um problema social que envolve todos os países nos quais existe a sociedade moderna e precisa para a sua solução dos recursos práticos e teóricos dos países mais avançados;”(Obras Escogidas, II, p. 14). Observe-se que este documento foi publicado em francês, inglês e alemão.
(37) Na mesma direção do livro I que termina anunciando a expropriação dos expropriadores terminaria o livro III. Não por acaso, o último capítulo do livro III, do qual só existe o início, tratava das classes. Neste último capítulo, segundo Engels, com a apresentação das classes, Marx trataria também da “luta de classes necessariamente dada”, e então surgiria “o resultado realmente visível do período capitalista” (Prefácio de O capital, livro III, p. 9, ed. Abril).

(38) MEW, 4, p.490.
(39) Ibidem.
(40) Ibidem.
(41) MEW, 4, p.575.
(42) Após apontar que Marx “menosprezava” uma teoria de transição do futuro comunista, Mészáros reconhece que Lênin também não tinha tal teoria: “Nem para Lênin, o problema da transição foi relevante antes da Revolução de Outubro, uma vez que estava engajado na elaboração de uma estratégia para quebrar o elo mais débil da cadeia, na esperança de iniciar uma reação em série que resultaria numa problemática muito diferente daquela que, realmente, se apresenta através de uma revolução soviética isolada”(op. cit., p. 1068). Ou seja, em outras palavras, a teoria de transição de Lênin era aquela de Marx e Engels!
(43) E assim da teoria da Revolução Permanente. Ainda que esta teoria, desde 1905, era atribuída a Trotsky. O desconhecimento da Mensagem à Liga dos Comunistas colaborava nessa direção. Mesmo na França, esse texto só foi publicado em 1923, no Bulletin communiste, numa tradução de Marcel Olivier (cf. Alfred Rosmer, “Introduction”, p. 9, in L. Trotsky, De la révolution, 1963, ed. Minuit)
(44) Martorano resume quatro “fases e/ou etapas”(a expressão é dele! cf. p.106) da transição (“Socialismo: notas sobre revolução, transição e programa”, Crítica Marxista, 18). Cabe lembrar que as posições de Bukharin, antes e depois de 1920 não são idênticas: na metade dos anos 20, ele modificará sua visão sobre o período de transição, vendo a NEP como uma estratégia de longo prazo. Reconheceu então a necessidade do uso prolongado dos mecanismos de mercado (Cf. K. J. Tarbuck: “Bukharin and ‘Market Socialism’”, p. 94, in Bukharin in retrospect, organização de T. Bergmann, G. Schaefer, M. Selden, N. York, 1994, ed. M. E. Sharpe). Ora, essas fases do pensamento do próprio Bukharin não ficam claras nas exposições de Martorano (nem no artigo e nem no livro citados). Caso Martorano estivesse se apoiando na teoria de transição do primeiro Bukharin, seria esta uma teoria abandonada pelo próprio Bukharin!!
(45) Aleksandar M. Vacic, “The Bukharin-Preobrazhenskii polemic”, in Bukharin in retrospect, ed. citada.
(46) The New Economics (in Russian), 1926, Moscou, p. 60 (citado por Vacic, op. cit., p. 87).
(47) Ibidem, p. 88.
(48) Bukharin, Selected Writings on the State and the Transititon Period, ed. R. Day, Armonk, N. York, 1982, p.261 (cf. artigo citado de Tarbuck, p. 103).
(49) Idem, ibidem.
(50) Como escreve Martorano: “a Revolução Cultural Chinesa representou, entre outras coisas, um grande movimento de crítica ao economicismo.(...). Ao contrário dos bolcheviques, (...), a experiência chinesa indica a necessidade de transformação das próprias forças produtivas capitalistas” (p. 36-37, in A Burocracia..., op. cit.). Martorano resume a sua contribuição eclética à teoria da transição, da seguinte forma: “o legado teórico de Bukharin sobre as ‘fases’ da revolução, agregado à sua compatibilidade com as análises de Charles Betelheim e de Etienne Balibar sobre a teoria da transição, fornece fecundas indicações para o aprofundamento do debate marxista (...) contribuindo para a discussão do programa socialista no séc. XXI” (artigo citado da CM, p.114).
(51) Sobre a relação entre o “Programa de Transição” e O capital, cf. meus artigos: "Sobre a crítica(dialética) de O Capital," in revista Crítica Marxista, editora Brasiliense, no3, 1996, 14-44; ”Sobre o desenvolvimento (dialético) do programa”, in Crítica Marxista, no4, editora Xamã, São Paulo, 1997, pp.9-44; “O Programa de Transição de Trotsky e a América”, in Crítica Marxista, no18, editora Revan, maio de 2004, p37-64.

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