sexta-feira, 12 de setembro de 2008

J. Chasin: A Teoria das Abstrações - Antonio Rago Filho

Artigo retirado da revista on-line Verinotio disponível em: http://www.verinotio.org/edicoes_anteriores.htm


Toda uma geração de marxistas foi formada na esteira das formulações lukacsianas inscritas no célebre "O que é o marxismo ortodoxo?" contido em História e Consciência de Classe (1923), segundo o qual "A ortodoxia, em matéria de marxismo, refere-se, ao contrário e exclusivamente, ao método". Esta aguda forma de epistemologismo, mesmo após sua superação pelo próprio Lukács, influenciou vários de seus discípulos. Além disso, assim como o termo dialética teve um destino trágico nas mãos do marxismo vulgar, agora a farsa se repete com o termo ontologia. O desconhecimento da teoria marxiana das abstrações é uma prova cabal dessa vulgarização.

Numa reflexão primorosa sobre o estatuto ontológico do pensamento de Marx, Chasin faz uma pertinente provocação, com o tom de quem possui a resposta: "A rigor, não há uma questão de método no pensamento marxiano". Aquelas velhas apostas de se saber qual capítulo hegeliano da Ciência da Lógica, Marx teria se apropriado para confeccionar O Capital soam, desse modo, falsas e pueris. O que Chasin tenta mostrar, a partir das três críticas instauradoras, é que a crítica ontológica, no sentido marxiano, "ascende à decifração da mundaneidade imperfeita em sua realidade, para a esclarecer, compreendendo sua gênese e necessidade, ou seja, para a capturar em seu significado próprio, por meio da determinação das lógicas específicas que atualizam os objetos de seu multiverso". (Chasin, 1995: 377) Dessa maneira, um arcabouço teórico pré-concebido em relação ao real a ser desvendado é uma impropriedade no âmbito do complexo ontológico de Marx. "Se por método é entendido uma arrumação operativa, a priori, da subjetividade, consubstanciada por um conjunto normativo de procedimentos, ditos científicos, com os quais o investigador deve levar a cabo seu trabalho, então, não há método em Marx". (Chasin, 1995: 389)

Refutando a suposta debilidade de Marx no tratamento de questões gnosiológicas, Chasin não deixa de reconhecer o caráter fragmentário do tratamento dessa problemática na obra marxiana, o que não significa que estas questões não estejam resolvidas. Investigando o conjunto dos escritos marxianos, três temas intimamente articulados se evidenciam: a fundamentação onto-prática do conhecimento; a determinação social do pensamento e a presença histórica do objeto. Esta reposição das coisas em seu próprio lugar, intrínseco ao estatuto ontológico, que faz a nova posição de Marx superar os limites da filosofia dominante durante largo tempo na história, articula práxis social com forma subjetiva. Por esta razão, Chasin ilumina a transitividade dos distintos momentos que configuram a mesma objetivação como ato unitário: "prática é dação de forma: a primeira contém a segunda, da mesma forma que esta implica a anterior, uma vez que efetivação humana de alguma coisa é dação de forma humana à coisa, bem como só pode haver forma subjetiva, sensivelmente efetivada, em alguma coisa". (Chasin, 1995: 397)

A conversibilidade entre as esferas de objetividade e de subjetividade implica, portanto, o reconhecimento de que essa determinação reflexiva sempre se efetiva pela mediação da atividade sensível, a partir da qual "uma transpassa ou transmigra para a esfera da outra, de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade objetiva são enlaçadas e fundidas, plasmando o universo da realidade humano-societária - decantação de subjetividade objetivada ou, o que é o mesmo de objetividade subjetivada. É, por conseguinte, a plena afirmação conjunta enriquecida pela especificação do atributo dinâmico de cada uma delas, da subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real, enquanto momentos típicos e necessários do ser social, cuja potência se expressa pela síntese delas, enquanto construtor de si e de seu mundo". (Chasin, 1995: 397)

É do exame desse complexo categorial que se especifica a natureza onto-prática do conhecimento. O fundamento deste é, assim, desvelado, uma vez que se busca a explicação pela raiz, no complexo social produzido pela atividade sensível. Em Marx, a problemática do conhecimento recebe um tratamento ontológico, liberto da viseira contemporânea, que submete tudo ao crivo gnosiológico, onde "um pré-discurso nesse diapasão pretende fundamentar o discurso propriamente dito a respeito do objeto", desfiguração cabal, sublimação de um logos desencarnado, como adverte Chasin, pois "desconsidera sua condição de atributo e o transforma numa entidade autônoma, ontologicamente desnaturada: de força e propriedade exclusivas do ser social em insondável potência abstrata". (Chasin, 1995: 400-1)

A consciência determina o ser: esta máxima do idealismo ativo, que governa o epistemologismo, se baseia num pré-discurso que gira sobre si mesmo e, por isso, não pode se apropriar dos objetos propriamente ditos. A inversão marxiana é ontológica, uma vez que a consciência é um produto social; daí a análise buscar a origem e necessidade de sua objetivação. Por esta razão, o caráter resolutivo da ontologia marxiana põe a nu a falsidade da desorientação contemporânea sobre a "crise dos paradigmas". Mais ainda: se o pensamento é um atributo do ser ativo e o conhecimento é sempre conhecimento de algo objetivo posto pela interatividade humano-societária, há que se consubstancializar a figura do saber interessado. Porque, "no extremo, verdade e interesse foram incompatibilizados, sem que tivesse havido o entendimento de que a tese da impossibilidade da verdade é um produto histórico, não a consequência de uma mitológica condição humana, esta também um resultado da mesma ordem". (Chasin, 1995: 402)

Colado ao pensamento marxiano, ou melhor dizendo, ao estatuto ontológico desse complexo categorial, Chasin demole os castelos da "abstração irrazoável", próprios ao reino do irracionalismo, segundo o qual não é possível reproduzir a efetividade por meio de um concreto de pensamentos, cabendo ao homem somente criar infinitas interpretações por meio da autonomia de sua subjetividade. Em suma, se o conhecimento é pensado como inexistente, esta abstração sem objetividade é um absurdo e tem uma determinação social ineliminável: o indivíduo egoísta. "E o que é o egoísmo, se não o indivíduo posto em isolamento, produto de uma dada época histórica, cuja lógica específica da individuação consiste em separar e contrapor os indivíduos já em si fragmentados? Negar ou fazer abstração da realidade e do conhecimento pode ser e, de fato, tem sido a componente ideal e a justificativa conformista - alienação e estranhamento do homem, perda e contraposição do homem a si mesmo, identificados à natureza humana - da índole ferina da individuação produzida por uma sociabilidade cuja negação do homem é, em essência, sua única forma de o entificar". (Chasin, 1995: 403)

Se o prisma gnosiológico toma sempre o fenômeno ideal pelo ângulo negativo da falsidade ou da sociabilidade que limita a produção do saber, a posição ontológica critica radicalmente essa concepção que descarta a origem e a necessidade histórica, uma vez que busca a decifração dos objetos como atividade sensível, em sua configuração social. Isto eqüivale a dizer que a natureza falsa ou verdadeira das representações não brota do movimento constitutivo da própria esfera subjetiva. As formas ideais jamais possuem vôo próprio, não tem autonomia nem história. É bom grifar isto, porque, em larga escala, o traço especulativo é a marca do pensamento contemporâneo, que continua a depositar no circuito próprio da subjetividade o móvel da explicação, ou melhor dizendo, das interpretações infinitas das coisas insondáveis.

Segundo Marx, as formas do pensamento, sejam reais ou ilusórias, são a expressão consciente de relações efetivas entre os indivíduos. O filósofo alemão não deixava dúvidas ao afirmar que tanto a consciência como a linguagem nascem da necessidade histórica, da carência de intercâmbio social. Por esta razão, Chasin especifica: "Atividade ideal é atividade social. O pensamento tem caráter social porque sua atualização é a atualização de um predicado do homem, cujo ser é, igualmente, atividade social. Na universalidade ou na individualidade de cada modo de existência teórica - cientista, pensador etc. - o pensamento é atividade social, inclusive pelos materiais e instrumentos empregados. Em síntese, consciência, saber, pensamento etc., sob qualquer tipo de formação ideal, das mais gerais às mais específicas, da mais individualizada à mais genérica, dependem do ser da atividade sensível, socialmente configurado, ao qual confirmam por sua atividade abstrata, igualmente social". (Chasin, 1995: 405)

Com seu poder de síntese, a reflexão chasiniana aponta para a raiz da determinação social do pensamento: "Condição de possibilidade da atividade ideal, a vida societária responde como fonte primária ou raiz polivalente pelas grandezas e falácias do pensamento. De suas formas emanam carências e constrangimentos que impulsionam ao esclarecimento ou, pelo contrário, conduzem ao obscurecimento da consciência, em todos os graus e mesclas possíveis. De suas formações, que demarcam épocas, tempos predominantes de luz e afirmação do homem, ou de sombra e negação do mesmo, se impõem e realizam, abrangendo todo o gênero em suas tendências peculiares e contraditórias". (Chasin, 1995: 407)

Entre as inúmeras contribuições de J. Chasin na redescoberta do pensamento marxiano destaca-se a teoria das abstrações. Fruto de longos anos de reflexão, nesta parte de seu trabalho, ele desvenda os atos operativos próprios à força da abstração, tais como especificação, delimitação, intensificação, articulação, "/.../ todos eles formas peculiares ou modalidades abrigadas sob a universalidade do conceito de determinação". Sai em busca da decifração do método científico em Marx: "o método que consiste em se elevar do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para o reproduzir como concreto pensado". (Marx Apud Chasin, 1995: 425) Certamente, não há uma obra específica de Marx a este respeito, mas o agregado de todas as passagens sobre esta determinação constitui, no conjunto de seus escritos, "um perfilado teórico bem consistente, apesar de totalmente fragmentado". Não se trata, como vimos, de um método ordenador de lances da subjetividade. Na expressão lukacsiana, é uma teoria que visa a "essência ontológica da matéria tratada". Ao percorrer na obra marxiana este "perfilado teórico", Chasin especifica a força da abstração no conjunto das "forças essenciais do homem", que se desenvolvem no multiverso da efetividade de suas relações humanas, onde todos os órgãos da individualidade humana atuam no sentido de apropriação dos objetos. No Terceiro Manuscrito de 1844, Marx escreve: "A peculiaridade de cada força essencial é justamente seu ser peculiar, logo também o modo peculiar de sua objetivação, de seu ser objetivo-efetivo, de seu ser vivo". (Marx Apud Chasin, 420)

Nesse sentido, a força de abstração é uma das formas peculiares da apropriação dos objetos pelos homens em sua atividade objetiva, determinada pelo seu próprio ser e em consonância com a natureza do objeto. Daí que, "Enquanto força performática, sua apropriação é ideal, reprodução intelectual de entidades reais, o que se confirma pelo caráter ontológico das abstrações produzidas". Há que ser enfatizado, pois, a sua natureza efetiva: "em sua determinação ontológica as abstrações admitidas por Marx são representações gerais extraídas do mundo real". (Chasin, 1995: 420-21) Desse modo, a apropriação ideal dos objetos reais é reprodução de determinações da existência, e se põe na universalidade da determinação social do pensamento; são, portanto, condicionadas historicamente.

Quando Marx especifica as categorias simples ou relações gerais, ainda que estas expressem "freqüentemente aspectos isolados", como formas ou modos de ser, longe está do hegelianismo que concebe os conceitos como desdobramentos do pensamento; estes, ao contrário, são extraídos da complexidade real. Na Introdução de 57, em uma longa passagem, Marx demonstra que só se tornou possível a captura ideal do trabalho em geral por causa do desenvolvimento concreto mais rico do próprio trabalho na sociedade moderna do capital, que promove a indistinção dos múltiplos gêneros de trabalho, "onde um aparece como comum a muitos, comum a todos. Então já não pode ser pensado somente sob a forma particular". O conhecimento enquanto concreto pensado é um "processo de síntese". Parte-se da complexidade real, do todo vivo, do qual, conforme Chasin destrinça da analítica marxiana, são extraídas as "abstrações razoáveis". Examine-se o texto de 57, quando Marx tematiza a produção em geral como abstração razoável. Segundo Chasin, a força da abstração retém algo comum de realidades complexas, comparando entes concretos: "A razoabilidade de uma abstração se manifesta, pois, quando retém e destaca aspectos reais, comuns às formas temporais de entificação dos complexos fenomênicos considerados. A razoabilidade está no registro ou constatação adequados, ‘através da comparação’, do que pertence a todos ou a muitos sob diversos modos de existência". (Chasin, 1995: 422)

Não se trata, de forma alguma, de uma construto subjetivo dado pelo ordenamento do sujeito cognoscente. Uma das funções das abstrações razoáveis é pôr em evidência as diferenças por meio da comparação, uma vez que não é possível elidir a diferença essencial "por causa da unidade, a qual decorre já do fato de que o sujeito - a humanidade - e o objeto - a natureza - são os mesmos". (Marx apud Chasin, 422). Em profundo enraizamento com a tematização marxiana, Chasin pondera que a perda da diferença essencial leva à constituição das abstrações irrazoáveis: "Por decorrência, ignorar a diferença essencial é perder de vista os objetos reais e com isso o horizonte do pensamento de rigor, tal como os economistas que naturalizam e perenizam a sociedade capitalista, pondo de lado exatamente o que nela é específico. /.../ A eliminação da diferença essencial, em suma, mutila a reprodução ideal do ser-precisamente-assim, indeterminando o objeto pelo cancelamento de sua processualidade formativa e especificação histórica". (Chasin, 1995: 423)

Se Marx não cansou de repetir que "as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento", há que levar em conta, de outra parte, que as abstrações razoáveis em si mesmas não fundam o real e que operam como "pontos de partida da autêntica démarche científica - ‘são determinantes’ ou em outras palavras, ‘sem elas não se poderia conceber nenhuma’ formação concreta, todavia, elas não determinam nenhum objeto real, isto é, ‘não explicam nenhum grau histórico efetivo’ de existência". (Chasin, 1995: 426)

A segunda das funções das abstrações razoáveis, destacadas por Chasin, diz respeito à demanda teórica da exposição histórica da atividade prática dos homens. Marx advertira que "Parece que o correto é começar pelo real e pelo concreto, que são a pressuposição prévia e efetiva; /.../ No entanto, graças a uma observação mais atenta, tomamos conhecimento de que isto é falso". (Apud Chasin, 1995: 423). Marx não afirmara anteriormente que sempre se parte do todo vivo, da entificação concreta mediada pela atividade sensível dos homens? Há, enfim, na teoria marxiana uma porta de entrada para a especulação? Reproduzindo as formulações marxianas, segundo as quais o concreto é sempre "a pressuposição prévia e efetiva" do ato de conhecer, Chasin aponta para a verdadeira questão, a saber: "como é alcançado, mentalmente, o indubitável antecedente efetivo do real e concreto, onde cessa a especulação e um saber racional pode ter lugar". (Chasin, 1995: 423-4)

Se o concreto se constitui num todo complexo integrado por múltiplas formas e modos de ser, que nele atuam como "partes moventes e movidas" (Lukács), ou na formulação marxiana, "O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso" -, a reprodução mental do real não se põe no ponto de partida. É só no fim de um longo e árduo processo, no ponto de chegada, que o concreto se articula como concreto de pensamentos. Tome-se a análise do modo de produção capitalista: "/.../ é argüido que partindo do todo imediato, manifesto por seus complexos parciais (cidade, campo, produção, população, classes, etc.), desemboca-se numa ‘representação caótica do todo’, pois a totalidade ou cada parte abordada redunda em simples abstração, se desconsiderados os vetores que a integram, por exemplo, a população sem as classes, e estas ‘são uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os elementos em que repousam: o trabalho assalariado, o capital etc. Estes supõem a troca, a divisão do trabalho, os preços etc. O capital, por exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço etc., não é nada’. E a resultante é uma representação caótica do todo porque mera ajunta de abstrações esvaziadas de textura e privadas de ordenamentos". Do ponto de partida da elaboração teórica, depuradas as abstrações em sua razoabilidade, trata-se agora da caminhada ao inverso, que garanta os passos das mediações aglutinadoras: "Chegados a este ponto, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população caótica de um todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas". (Marx apud Chasin, 424)

A questão reside, pois, nessa passagem de um pólo a outro, na elevação das "abstrações razoáveis" para a reprodução dos momentos concretos, o que "subentende o deperecimento da abstratividade". Não se pode perder de vista que este "processo de síntese" se faz por um trabalho das abstrações. "Em verdade não há qualquer aporia, os pontos de partida e chegada não se repelem pelos conteúdos nem estão incompatibilizados pela forma, ao revés, no andamento da síntese operam mediações aglutinadoras que os aproximam e fundem, para o sucesso da qual são imprescindíveis a universalidade das abstrações razoáveis, pontos de partida e retentoras da igualdade ou continuidade dos processos, bem como os conteúdos das diferenças, representativas das mudanças ou desenvolvimentos". (Chasin, 1995: 425-6) De outra parte, as abstrações razoáveis, a fim de deperecer em sua abstratividade, a fim de ganhar encarnação histórica, "devem perder generalidade por especificação, adquirindo os perfis da particularidade e da singularização, ou seja, a fisionomia de abstrações razoáveis delimitadas". (Chasin, 1995: 426)

Por fim, há que ressaltar ainda o papel da delimitação e da articulação das abstrações razoáveis. É a via da intensificação ontológica que permite estabelecer as recíprocas determinações delimitadoras, as proporções efetivas no feixe das múltiplas determinações para a captura dos momentos concretos. Em sua crítica ao procedimento dos economistas, Marx indicava o equívoco de se apresentar, como no idealismo, uma seqüencialidade lógica, ou fundada em seu papel determinante em outros momentos da história: "Não se trata da relação que as relações econômicas assumem historicamente na sucessão das diferentes formas de sociedade". /.../ Trata-se de sua hierarquia no interior da moderna sociedade burguesa". (Apud Chasin, 1995: 429)

Se na própria realidade opera o jogo das determinações reflexivas, há que destacar o papel do momento preponderante, na qual esta reciprocidade variada não anula as diferenças que compõem o todo organicamente articulado. Em sua Ontologia, Lukács precisou: "É claro: a interação tem muitos aspectos e se articula de diferentes modos; mas é também claro que, nessa relação entre determinações reflexivas tão ricamente articulada, revela-se com toda evidência o traço fundamental da dialética materialista: nenhuma interação real (nenhuma real determinação reflexiva) existe sem momento preponderante. Quando essa relação fundamental não é levada na devida conta, tem-se ou uma série causal unilateral (e, por isso, mecânica, simplificadora e deformadora dos fenômenos); ou, então, aquela interação carente de direção, superficialmente brilhante, da qual Hegel criticou em seu tempo a falta de idéia, mas sem encontrar a solução do problema". (Lukács apud Chasin, 1995: 432)

Somente após se ter submetido ao trabalho das abstrações é que põe, portanto, o método de exposição da efetividade histórica, o processo prático de desenvolvimento dos homens. Recorde-se as palavras inscritas no Posfácio da segunda edição de O Capital: "A pesquisa tem de captar detalhadamente a matéria, analisar as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real". (Marx apud Chasin, 1995: 427) Em suma, na especificação chasiniana, "o método marxiano, tomado por seus momentos estruturais, pode ser reconhecido e enunciado como o modo de produção de concretos de pensamentos a partir da distilação prévia de abstrações razoáveis". (Chasin, 1995: 507) Desse modo, podemos concluir que "Sendo a figura resultante do processo cognitivo um concreto de pensamentos, isto é, uma determinada massa estruturada de abstrações, a totalidade deste complexo ideal, em qualquer grau de seus emaranhados, nunca pode ser outra coisa do que um produto do trabalho das abstrações, ou seja, um modulado de abstrações trabalhadas, cuja matéria prima única são as próprias abstrações, sobre as quais incide a atividade propriamente dita da elaboração, constituída pelos atos de depuração, intensificação, delimitação, articulação e quaisquer outros do gênero compreendidos pela teoria das abstrações". (Chasin, 1995: 529)

Referências Bibliográficas

CHASIN, J. - "Ad Hominem - Rota e Prospectiva de um Projeto Marxista", In: Ad Hominem n.º 1. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999.

__________ - "Marx - Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica". In: Teixeira, Francisco - Pensando com Marx, São Paulo: Ensaio, 1995.

MARX, K. - Para a Crítica da Economia Política In: Os Pensadores: Karl Marx. SP: Abril Cultural, 1974.

LUKÁCS, G. - Lukács: sociologia, J. Paulo Netto (org.). SP: Ática, 1981, 60)

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